[Jam de Roteiros #1] - É natal no inferno

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O Natal é uma época mágica que mexe com todas as pessoas. Mesmo as criaturas do submundo apreciam esse feriado.

Era uma vez um capetinha chamado Ribamar. Ele morava numa favela do inferno, e aparentemente estava andando sem rumo pelas vielas. Estava saindo de casa.

Qualquer criança comum fugiria de um banho, mas no caso desse menino o tio dele o estava perseguindo para colocá-lo numa fogueira de pneus. Não era nada anormal para os padrões civilizacionais deles, mas o menino estava saindo fora daquela situação.

"Quer saber? Vou descer para a cidade. Passar um tempo lá até o meu tio esfriar a cabeça."

O caminho para o centro era cheio de altos e baixos. A noite era iluminada por luzes distantes de uma guerra, e alguns projéteis passavam sobre as cabeças dos pedestres. O calor era tanto que o suór escorria até o calcanhar.
Havia todo tipo de aberração rastejando pelas calçadas. Os bueiros explodiam só em pisar; os governantes eram eleitos pelo próprio Diabo, sempre os piores possíveis, e os muros das casas eram pichados com palavras de ordem contra a moral e os bons costumes. Ribamar caminhava olhando para baixo para não prestar atenção no seu entorno.

De frente a uma loja, onde era possível ver uns televisores ligados através da vidraça, o menino viu a notícia do enterro do jogador Maradona. Lembrou que Maradona era argentino, e que lá na Argentina tinha bastante neve.

"Caramba, esse lugar é praticamente aqui do lado. Como eu não pensei em fugir para a Argentina antes? Lá é uma versão fria do inferno!"

Ribamar dormiu na rua e não parou de pensar na neve. Estava decidido a ir ao aeroporto no dia seguinte.
Chegando lá, havia um letreiro que indicava voos disponíveis para Buenos Aires. Era uma oportunidade de ouro. Mas será que o menino tinha dinheiro? Ele começa a mexer nos bolsos, e ao achar algo, dá um sorriso: era seu canivete.

*


Ribamar lembrou da notícia sobre o supermercado Carrefour e preferiu se mandar dali. Ficou sem dinheiro e sem passagem. Saiu desolado, chutando qualquer coisa na rua.

"Poxa, mas o natal está aí. Eu não deveria ficar triste. Devia passar o feriado com meus parentes, mesmo eles sendo uns babacas, e eu deveria agradecer pela minha vida... sim, é isso. Não importa que eu viva no pior lugar do universo; se eu estou vivo, tenho que dar graças a Deus por isso."    

No caminho de casa, o pequeno Ribamar olha para o alto e esboça um sorriso de humildade e contentamento, num lapso de boa vontade. Mesmo no inferno, ainda existe fé. Lá estava a estátua de Jesus Cristo, bem grandona, de braços abertos, sobre o  morro do Corcovado.